Friday, January 12, 2007

A cura.

Não havia um vizinho que não o temesse. Era considerado um Louco. Mas fui quem melhor o entendeu...




A primeira vez que o ví foi quando estava sentado, com apenas nove anos, em cima da árvore da frente de sua casa. Senti um grande medo quando correu atrás de mim gritando em completo devaneio. Corrí, corrí como nunca havia corrido. Meu coração desparado, minha cabeça tonta. Parei em frente à pracinha, e contei a todos o ocorrido. Me disseram que ele era louco e que nunca mais devia voltar lá. Pais e filhos brabos comigo. E eu que havia me fudido. Ninguém estava preocupado comigo. Eu, EU, eu fui o grande prejudicado. Ainda me puseram de castigo.
Os dois dias confinado no meu quarto foram angustiantes, queria retornar até lá, queria enfrentar meu medo! Logo no meu primeiro dia de liberdade fiquei horas de tocaia na sua janela. Observei-o o dia todo, cada passo. Não me pareceu tão louco assim. Claro que ele gritava a maior parte do tempo, lavando a louça, escutando música ou fazendo qualquer outra coisa...
Na segunda tocaia comecei a reparar que ele se esforçava para não agir daquela maneira, entretanto os esforços eram em vão. Comecei a sentir pena dele.
No terceiro dia não fui espioná-lo. Apenas isto não bastava. Algo mais interessante era necessário. Filmá-lo? Tirar fotos? Sem filmadora ou máquina fotográfica resolvi fazer o seu diário.
Os dias passavam e era sempre a mesma coisa. As páginas sempre iguais: Ligava uma música, fazia comida, lavava a louça, lia, lia, lia muito, sempre, é claro, gritando coisas terríveis.
Naquele dia 13, nunca esquecerei, quando caí no seu quintal. Machucado não pude pular o muro de volta, então tive que tocar a campainha para ele abrir o portão. Doze minutos fiquei inerte com o dedo próximo ao botão mas sem coragem de apertá-lo. Quando o fiz meu coração parecia que iria parar, sorte que não o fez. Ele abriu a porta já gritando. Pensei em correr mas não tinha para onde. Se controlou um pouco, e disse com esforço: "Desculpe pelo outro dia." Não sabia o que dizer ou pensar. Ele me convidou para entrar. Entrei, não devia, mas entrei. Me disse que sofria deste mal - gritar compulsivamente - e que nem ao menos controlava o que dizia. Que naquele dia quando correu atrás de mim queria avisar-me sobre abelhas que naquela árvore estavam. Achei estranho, pois estava sempre lá e nunca ví uma abelha sequer... Me explicou também que tirou a colméia para não me machucar. Constrangido agradeci. Conversamos mais sobre coisas sem importância, ele soltando gritos ao meio do assunto, e fui para a casa.
Afinal o que era aquilo? Um ser aparentemente tão vil era, na verdade, um ser doce, carinhoso e preocupado com os outros... Tudo, que era pouco, que sabia do mundo parecia errado. Aprendi que, de fato, as aparências enganam.
Comecei a ir na sua casa com frequência, era muito inteligente, me ensinou muito sobre a vida. Me deu livros para ler, músicas para escutar... Se tornou meu ídolo.
Notava que cada vez mais ele gritava menos, havia dias que nem gritava. Finalmente parou por completo com aquela loucura. Estava curado. Dizia que graças a mim, a minha atenção inesperada fez com que ele se libertasse do medo do convívio com as pessoas, e que era por isto que gritava. Na época não consegui entender ao certo sua explicação, mas fiquei feliz por ajudar.
Sempre que podia ia na sua casa, entretanto após dois anos ele se mudou. Fiquei bravo no ínicio mas logo o esqueci.
Hoje dez anos depois encontrei-o no centro da cidade. Gitava feito louco, ainda mais do que antigamente. É um mendigo. Fui até ele. Quando me viu parou de gritar na hora. Me abraçou - estava meio com nojo de suas roupas sujas, mas retribuí - olhou nos meus olhos e disse: "Não se assuste! Louco, gritando, é a única maneira de ser feliz."

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